Com a devida vénia ao seu autor
publicamos esta Interessante apreciação da autoria do Almirante Winnefel, que
esteve no Allied Joint Command Lisbon. A tradução não é muito boa, mas
percebe-se bem.
Assim como deixou claro o Marechal Montgomery, os marinheiros
são diferentes dos seus camaradas da Força Aérea e do Exército. Eles falam uma
linguagem própria, fazem perguntas diferentes, dão respostas diferentes,
suportam fainas pesadas com alegria e formam um clã especial.
Suas vidas são definidas por uma sucessão de comissões e eles
formam um intrigante amálgama de tradição. Como podemos perceber a diferença
entre os guerreiros das três forças? Porque os marinheiros são tão diferentes?
Mesmo aqueles marinheiros que também são pilotos são diferentes de seus colegas
da Força Aérea. Também mesmo aqueles marinheiros que também são soldados – e
chamados de Fuzileiros Navais – são diferentes de seus camaradas do Exército.
As respostas a estas questões têm suas raízes no ambiente no qual vivem e lutam
os marinheiros. Isto se aplica para a
Marinha de Guerra e na Marinha Mercante, com certas modificações, pois lá o
supremo é o Comandante. O soldado molda seu ambiente alterando seus
contornos, explorando o terreno, dominando-o com o poder de fogo, ou, quando
tudo mais falha, movimentando-se para outro ambiente. O piloto é um acrobata
que desafia a gravidade. O ar é um meio para a liberdade. De sua posição
vantajosa acima de seus colegas guerreiros, ele dá grande ênfase na
superioridade e no controle. O marinheiro, por outro lado, está constantemente
na presença de uma força maior que ele mesmo. Ele sente o tempo através do
balanço e do caturro de seu navio. Uma vez no mar, não é uma questão simples
voltar para a terra, não há passeios no shopping, não existe energia de terra,
não há telefone para saber notícias, não há carteiro diariamente ou jornal para
se manter em contato com o mundo, não existe licença para aliviar as tensões de
um dia, e nem há a presença nem o conforto da família. O piloto conquista seu
ambiente, o marinheiro sobrevive nele. O soldado molda e explora seu ambiente,
o marinheiro deve se ajustar a ele. O soldado depende de “armas combinadas”, o
marinheiro precisa confiar em si mesmo e no mundo limitado pelo seu navio. O
soldado deve avançar ou retirar, o marinheiro deve permanecer e lutar. Em
tempos modernos, mesmo a opção de se render está além do alcance dos
marinheiros, ele luta e morre com o navio – mesmo se o navio for um casco
soçobrado em chamas abaixo de seus pés.
Tais forças incutem no marinheiro uma combinação única de
qualidade: autoconfiança, respeito e atenção ao seu comandante, e um acentuado
senso de responsabilidade. O comandante está na frente de batalha, e não nos
quartéis-generais da retaguarda; ele deve enfrentar o inimigo, pois está tão
exposto como o mais moderno marinheiro a bordo. Não existe retaguarda para um
navio em combate. Almirantes e marinheiros dividem igualmente o risco de
enfrentar o fogo inimigo ou a fúria de um temporal, pois estão, literalmente no
mesmo barco. Os espaços limitados de um navio de guerra – mesmo de um grande
navio – forçam a amizade entre seus tripulantes. Não existe lugar para se
esconder.
As forças ou as fraquezas são logo descobertas e conhecidas. A capacidade
profissional do comandante está à vista de todos, todo dia. Uma atracação
malfeita simplesmente não pode ser escondida dos subordinados. Da mesma
maneira, um comandante que mostra zelo pelo profissionalismo, que tem especial
atenção no trato com os subalternos, sem no entanto deixar de corrigir as
falhas que apareçam, é imediatamente considerado um herói para todos. Um
marinheiro a bordo não pode deixar de participar das fainas, ao contrário de
alguns pilotos que colocam suas aeronaves “indisponíveis” na inspeção “pre-flight”.
Um marinheiro deve estar preparado para as vicissitudes da natureza e do inimigo,
e em consequência ele deposita um grande crédito na prontidão e na prudência.
Ele se prepara para o improvável e até mesmo para o impossível. Para seus pares
de terra e ar, ele se parece muito conservador. Para ele, as coisas importantes
simplesmente precisam funcionar, e por isso precisam ser simples. Ele ainda
acha que os mastros são apêndices úteis – mesmo após ter passado o tempo da
Marinha à Vela – para estender seu horizonte e como lugar para colocar seus
equipamentos mais usados. Ele aceitou o cabo de náilon, mas ainda existe um
lugar especial no seu coração para o cabo de manilha. Aceitou a turbina a gás
na propulsão de seus navios, mas guarda ainda um lugar especial para o vapor.
Realmente, suas veias parecem estar cheias de vapor; no preparo do rancho, na
transformação de água salgada em água doce, para o aquecimento e, em alguns
casos, para o lançamento de aeronaves. Quase todos os navios de guerra têm
vapor em seus sistemas para o apoio à vida de bordo. Por ser o navio uma
entidade completa, o marinheiro dá grande importância em moldar suas ações de
maneira independente dos outros navios e das bases. Ele se recente quando sofre
interferência de terceiros ao lhe dizerem como conduzir suas tarefas, e está
feliz quando o único navio, de horizonte a horizonte, é o seu. A presença de um
navio mais antigo o impede de ter paz em sua mente, e ele se torna o principal
crítico dos erros cometidos pelo navio capitânia. É o seu navio contra o
ambiente, o inimigo, ou mesmo contra o navio irmão. Não existe maior competição
na terra do que a que ocorre entre navios de um mesmo esquadrão, ou da mesma
força-tarefa. Lealdade ao navio e lealdade à sua força são dogmas a serem
seguidos. Um soldado certamente terá uma Associação do Batalhão para que se
relembre do passado, mas um marinheiro se lembra apenas do seu navio. Raramente
ocorre a um marinheiro formar uma Associação da FT 94 ou Associação da Esquadra.
Um oficial sempre se lembrará de seu primeiro navio, dos nomes do timoneiro e
do vigia de seu quarto de serviço, e das situações que eles enfrentaram no
porto ou no mar. Uma das experiências mais gratificantes para o homem do mar é
recordar os “bons tempos”, quando se encontra com antigos companheiros de
bordo. Esta experiência vivida pelos marinheiros, ao longo de suas carreiras,
gera um senso de lealdade entre as tripulações e com a Marinha que é um elo sem
nada correspondente nas outras Forças. Para o marinheiro, as entidades
organizacionais dos soldados e dos pilotos se parecem com uma “ sopa de letras”:
os números mudam, as pessoas são transferidas rapidamente e as unidades não têm
um nome ou um número. Já o navio do marinheiro tem um nome e, o que é mais
importante, geralmente é um nome lembrando uma passagem vitoriosa da história
de seu País ou o nome de algum herói nacional. Os marinheiros valorizam essa
conexão com o passado e vêem-se tão capazes como seus antecessores. Mas a
tradição não é simplesmente um guia para a acção, é uma forma de lealdade à
Força e uma reafirmação do lugar do marinheiro na fila dos heróis. Os costumes
e as cerimônias navais reforçam o senso de identidade e de continuidade. Uma
passagem de comando, o lançamento de um navio ou o cerimonial à Bandeira
Nacional são ocasiões nas quais a comunidade naval expressa a sua confiança e
seu apreço pelos homens do mar. As honras ao navio e à sua tripulação são
confirmadas na presença de amigos, parentes e colegas de farda. O termo “
conservador” parece ser melhor aplicado aos oficiais de Marinha do que aos de
outras forças. Um marinheiro reluta sempre em abandonar o que, no passado, lhe
serviu de maneira eficiente. Ainda hoje os oficiais se apresentam aos chefes de
departamento, e estes a seus imediatos, antes de irem a terra. A chegada e a
saída do comandante a bordo são cercadas de cerimoniais; içar ou arriar a
bandeira substituta, informar ao imediato ou ao oficial de serviço, o qual
acompanhará o comandante até a câmara. A chegada do comandante da força ou de
um almirante a bordo é o bastante para transformar o mais pacato dos navios num
frenesi de preparativos, com atenção ao detalhe. Essas cerimônias e tradições
parecem estranhas para o soldado, para o piloto e para o civil, mas para o
marinheiro são parte da vitalidade de sua experiência profissional; ele sabe o que
se espera dele e onde estão depositados a honra e o reconhecimento. Mas o
marinheiro também sabe premiar aqueles que sabem combinar tradição com
inovação. Ele faz um balanço entre os dois polos: aqueles que acham que porque
é velho é que deve ser bom, e aqueles que pensam que se é novo deve ser melhor.
Na verdade, ele confia nas coisas velhas, mas reconhece o valor do novo. O radar,
a turbina a gás, o avião, a propulsão nuclear e a comunicação por satélite
revolucionaram o mundo no qual ele vive, mas o mar ainda está lá. Os navios são
ainda danificados ou afundados pelo mar, navios ainda se chocam em um mar sem
sinais de trânsito ou vias expressas. As mesmas características são divididas
entre Marinhas. Os marinheiros geralmente têm simpatia por seus colegas
estrangeiros. Eles enfrentam os mesmos perigos e respondem aos desafios de
maneira semelhante. Eles comungam reverências às tradições e aos costumes da
mesma forma, e, em muitos casos, até as fontes das tradições são as mesmas:
tradições cultivadas pela Marinha à Vela. Na medida em que ingressamos na era
das operações conjuntas e combinadas, os marinheiros terão que fazer alguma
concessão aos companheiros das outras forças, porém a natureza única da profissão
naval e de seu ambiente peculiar certamente marcarão de forma indelével a forma
e o conteúdo dos planeamentos e das operações. Os soldados e os pilotos
certamente aprenderão que os
aparentemente excêntricos e tradicionais marinheiros são, na verdade,
profissionais moldados pela água salgada.
“
Onde o espírito não teme, a fronte não se curva”